Bacurau | Entrevistas com elenco e os diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

Escrito por: Gabriel Santos

em 30 de agosto de 2019

Depois de lotar sessões de pré-estreia em diversas regiões do Brasil, na última segunda-feira (26) foi a vez do Rio de Janeiro assistir a Bacurau, no Cine Odeon. A exibição antecipada do premiado longa contou com a presença de convidados, além de elenco e equipe. Estivemos presentes no evento e tivemos a oportunidade de entrevistá-los.

Além de Sônia Braga, uma das atrizes que repete a parceria com Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles é Barbara Colen, que interpreta a personagem Teresa. Ela nos contou que trabalhar novamente com os diretores passou a sensação de um reencontro:

“Eu gosto muito da oportunidade de trabalhar com gente muito querida. Você já está com uma linguagem muito afinada, então acho que as coisas ficam mais livres, mais fáceis. Os dois, especialmente, são pessoas que eu admiro muito, que dão muita liberdade pra gente como ator. Estão sempre com o diálogo muito aberto, têm essa vontade de ver o que a gente tem pra propor, o que a gente tem pra trazer pro personagem, então acho que isso faz toda diferença. E eu acho que essa dimensão pessoal é bem importante nos trabalhos”.

A liberdade que os diretores dão para os atores influencia diretamente a construção das cenas, permitindo improvisos. Bárbara conta como funcionava o método:

“A gente tinha um roteiro já muito bem estruturado, mas que estava em constante transformação, tanto com as coisas que a gente trazia quanto com o que Kleber [Mendonça Filho] e Juliano [Dornelles] propunham na hora. Eles têm um sistema de direção que é muito interessante, que é ir acrescentando falas ou ir mudando as que já estão ali no diálogo no momento. Então a câmera está rodando e eles estão falando em off: ‘agora fala assim’, ‘agora repete isso’. Isso dá uma sensação de urgência de presença que é muito gostosa. Você não vai pro set com uma coisa engessada. Você já tem um chão muito firme pra pisar, mas é dali pra pular, pra ir pra outro lugar e voar”.

Juliano Dornelles também falou sobre a direção de atores e como é importante que o elenco traga sua experiência pessoal e sua bagagem para ajudar a compor os personagens:

“Acho que os personagens nunca estão 100% definidos e completos quando a gente termina de escrevê-los. Quando a gente descobre quem é o rosto já dá um passo adiante. Depois de descobrir o rosto, construir a personalidade com alguém que já tem sua experiência e sua vivência, vai pra terceira etapa”.

Bacurau é o primeiro longa de Juliano como diretor, mas ele já havia trabalhado como diretor de arte em outros projetos de Kleber, como Aquarius O Som ao Redor, além do curta Recife Frio. Ele nos disse como essas experiências influenciaram no processo criativo:

“Acho que é natural pensar nas questões da arte, porque eu faço isso também, mas tudo que foi feito no filme a gente fez junto e nós tínhamos ideias muito claras do que queríamos em relação à visualidade. É uma comunicação já muito direta, a gente se conhece muito bem, sabemos que intenções temos, é algo muito orgânico. E eu, de fato, sempre olho muito pra coisa da arte, mas em um filme desse tamanho precisava realmente estar cuidando muito dos atores, olhando muito para as cenas, falando muito com a câmera e precisei ter essa equipe muito boa, que eu confio, pra tocar essa parte”.

E por falar no visual do longa, Juliano ainda comentou sobre como foi construir a ambientação de Bacurau e o aspecto do filme, que foi inspirado em produções estrangeiras:

“A gente viu muita coisa. Difícil elencar e dizer, mas acho que o fundamental pra entender essa visualidade do filme é saber que todos os elementos estrangeiros, do cinema de gênero norte-americano, italiano, entraram em choque com uma coisa extremamente honesta e brasileira. E com aquela luz do sertão, que é um sol muito forte. As nossas cores são de um sertão mais contemporâneo, que é um sertão completamente diferente dos sertões representados até pouco tempo atrás, há 15, 20 anos. A chave é essa, esse choque das duas coisas”.

Um dos elementos que chama atenção, e foi citado na nossa crítica, é a transição entre cenas, que chega a lembrar Star Wars. De acordo com Juliano, a ideia surgiu na pós-produção, durante a montagem:

“[As transições] sempre ajudam a criar essa ideia de filme fantástico, filme de gênero. A transição de wipe, que é uma tela que vem varrendo a outra, tem uma função muito específica de fazer os cortes serem dinâmicos. Tem a questão prática, por exemplo, um caminhão atravessando uma ponte e ele puxa o corte. Mas tem essa coisa de transportar para um ambiente mais familiar do cinema de gênero”.

Já Kleber falou sobre sua relação com a ficção científica e como surgiu a ideia de Bacurau ser um filme desse gênero:

“Eu adoro [ficção científica]. Faz parte da minha formação. E eu queria exatamente fazer um filme que coloque esse desejo de fazer filmes que eu gostaria de ver. Eu mesmo e Juliano, filmes que a gente gostaria de ver no cinema. E agora isso está acontecendo”.

Quem também comentou sobre o tema foi o ator Antonio Saboia, que forma uma dupla de forasteiros com Karine Teles. Ele contou como a ficção científica está inserida no filme:

“[Bacurau] é baseado no ser humano, na situação, então não tinha tela verde, essas coisas, Godzilla aparecendo. A ficção científica no filme está presente nessa coisa do futuro, dos telefones, de alguma tecnologia que você vê de vez em quando brotar no filme. Mas a gente não faz porque demanda um dinheiro enorme de pós-produção que, infelizmente, ainda não tem no Brasil. Mas que bom que está tendo esse gênero aqui”.

Antonio também nos contou – sem dar spoilers – sobre a importância de Bacurau chegar aos cinemas no atual momento político do país:

“Quando eu li o roteiro, pirei. Eu falei: ‘Meu Deus, é muito além do que eu imaginava’. É um filme que traz um certo alívio, porque mostra uma resistência de um povo oprimido, de minorias. A resistência que é necessária nesse país agora. É um filme sobre resistência, sobre Bacurau. A protagonista é a cidade. É um conjunto de pessoas ali lutando por sua liberdade, porque elas não são violentas, não são agressivas, só estão se defendendo. Elas não têm outra escolha. Tentam de todas as formas possíveis se proteger sem antes passar para as armas”.

O ator Silvero Pereira, que interpreta Lunga, destacou a diversidade presente na produção, que contou com pessoas de todas os lugares do Brasil:

“Eu acho que, como cearense, como brasileiro, é muito bonita a relação com esse filme porque a gente teve a oportunidade de estar filmando no Rio Grande do Norte, com diretores pernambucanos, contracenando com pessoas de São Paulo, de Minas Gerais, do Ceará, da Paraíba, de fora do Brasil… Então quanto mais a gente percebia a nossa relação e a necessidade que a gente tem de mais afeto, de mais proximidade, de mais humanidade… Eu acho que essa é a lição mais importante que a gente levou e talvez por isso hoje nós somos um elenco que se considera uma grande família. A gente tem uma relação muito agradável, a gente está sempre em contato e acreditando no sucesso um do outro”.

Ele ainda enfatizou a importância da representatividade, que não encontrava quando era criança:

“Era muito difícil eu olhar pra televisão e encontrar pessoas que eram parecidas comigo. Exatamente por conta dos filtros que as pessoas fazem com relação aos meios de comunicação. Hoje, quanto mais eu puder e quanto mais artistas puderem abrir a boca e dizerem quem são de verdade, a gente vai ter as pessoas se reconhecendo e lutando pelos seus direitos”.

Para construir seu personagem, Silvero conta que se inspirou em figuras históricas que contribuíram para o nordeste:

“Eu me inspirei muito na história do nordeste, nas figuras importantes do nordeste. Antônio Conselheiro, Padre Cícero, Jorge Amado, Patativa do Assaré, figuras que lutaram não só na questão social, mas também na literatura, nas artes e fizeram uma grande diferença. Todas essas figuras estão carregadas em Lunga numa revolta quando se pensa que elas têm que voltar pro seu lugar e a gente diz: ‘Não, a partir de agora a gente vai pro lugar onde a gente merece e não o lugar que vocês acham que a gente tem que estar’”.

Antes da sessão, a equipe e o elenco subiram ao palco para agradecer a presença do público e se apresentaram. Confira o momento no vídeo abaixo:

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