Crítica | Casal Improvável

Escrito por: Jose Gabriel Fernandes

em 10 de junho de 2019

Charlize Theron é uma das artistas mais versáteis em Hollywood atualmente. De rainha malvada a revolucionária de futuro distópico, a atriz sul-africana já fez de tudo. Agora, ela toma mais uma decisão minimamemte curiosa para uma carreira repleta de papéis premiados (inclusive pela Academia): co-protagonizar uma comédia romântica com Seth Rogen. Mas não é qualquer comédia romântica: em Casal Improvável, o roteirista Dan Sterling e o diretor Jonathan Levine (que já trabalhou com Rogen na dramédia 50%) pegam diferentes clichês do subgênero para compor uma história atual e repleta de significados.

No longa, Theron interpreta Charlotte Field, uma Secretária de Estado que almeja a Presidência dos Estados Unidos. Ela contrata o recém-desempregado jornalista Fred Flarsky (Rogen) – de quem foi babá na adolescência – para escrever os seus discursos, quando começa a desenvolver uma relação amorosa com ele. Essa premissa faz parecer que é mais uma história aos moldes de A Dama e o Vagabundo Uma Linda Mulher, onde dois personagens em posições sociais completamente diferentes se apaixonam – e é bem isso mesmo. Também tem toda aquela ideia de um dos integrantes do casal ser muito mais atraente do que o outro, como se Flarsky fosse um loser namorando a garota mais popular do colégio (no caso, do país). Apesar da fórmula batida, o filme ganha muito mais camadas ao analisarmos o subtexto ali presente.

Flarsky é um progressista extremamente fiel aos seus princípios (inclusive largando o emprego por isso), enquanto Field, apesar de se importantar com as mesmas pautas que ele, deve ser mais concessiva, por conta de seu cargo. Dessa forma, acaba sendo uma trama sobre ideais tentando sobreviver no poder público – onde interesses particulares podem falar mais alto e o pré-julgamento da população é determinante. O fato de Field não poder revelar o seu romance com Flarsky contribui para essa percepção, já que muitas vezes políticos devem adotar um discurso mais moderado para se elegerem. Há uma noção muito franca do meio, assumindo uma não-romantização até o terceiro ato, onde já começa a deixar isso de lado.

O final revela uma fé um tanto inocente no poder da sinceridade e do amor que, coincidentemente ou não, tem muito a ver com a própria comédia romântica. A forma como o filme se apropria desse e de diferentes outros clichês, e busca aplicá-los ao contexto retratado, mostra essa autoconsciência. Além da velha declaração de amor em público, há os depoimentos íntimos à la Harry e Sally e a troca de vestimentas remetente a Uma Linda Mulher. Porém, essas referências nunca se prendem a um nostalgismo vazio, já que a temática sempre proporciona uma virada inesperadamente divertida ou, no mínimo, sagaz.

Isso não quer dizer que o longa não comete alguns excessos, especialmente em piadas um pouco mais ousadas. O filme constantemente desafia os limites do politicamente correto, e nem sempre soa tão inteligente ou engraçado, apenas provocador. O personagem de O’Shea Jackson Jr. é o que mais sofre com isso, até por estar na posição ingrata de “melhor amigo do protagonista” (outro clichê indispensável). De qualquer forma, numa comédia desenfreada como essa, é natural que nem todas as piadas emplaquem, sem falar que, até em seus equívocos, há uma sinceridade que contribui para o discurso como um todo. Jackson Jr. também desempenha o seu papel com proeza, demonstrando um timing cômico capaz de driblar falas que, no papel, poderiam parecer forçadas (algumas coisas parecem até improviso).

Dentre os outros integrantes do elenco, vale mencionar também Andy Serkis, que está irreconhecível como um magnata das telecomunicações. Dá para perceber suas inspirações para compor o personagem (e a maquiagem ajuda bastante nisso), o que torna toda a trama ainda mais atual e rica (o mesmo vale para o personagem de Alexander Skarsgård). Mas quem, de fato, domina o show é Charlize Theron, convencendo tanto como uma política comedida, quanto como uma pessoa que quer se entregar aos seus desejos, mas se vê submissa às pressões do cargo. Há uma alternância bastante orgânica entre essas duas faces, evidenciando a técnica impecável da atriz, com suas sutis mudanças de expressões faciais e tons de voz, além de puros momentos de fragilidade e descontração. Rogen também está ótimo como Flarsky, ainda que não fuja muito de seu typecasting. Aqui, pelo menos ele faz bom uso disso.

A direção de Levine também deve ser ressaltada porque, ainda que pareça meramente funcional (e boa parte dos aspectos técnicos é), demonstra domínio suficiente da mise en scène para criar os efeitos desejados. Em alguns momentos ele poderia ter sido mais sugestivo e apelado menos para um humor óbvio, mas, no geral, ele pressiona todos os botões corretos.

Casal Improvável é uma comédia romântica efetiva e surpreendentemente alegórica, que peca pelo excesso, mas não o suficiente para torná-la menos envolvente. Um retrato caricato, porém autêntico, dos bastidores do cenário político estadunidense, que pode dialogar muito com cidadãos de regimes democráticos similares (ainda que não concordem com todas as visões colocadas). Uma boa pedida para os fãs do subgênero, do Seth Rogen e, obviamente, da Charlize Theron, que, mais uma vez, é bem-sucedida numa empreitada arriscada.

Crítica | Casal Improvável
A comédia romântica em tom de sátira política se sobressai por sua autoconsciência e pelo bom trabalho do elenco, mas se beneficiaria de um requinte maior em momentos pontuais.
3.5

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