Crítica | Gloria Bell

Escrito por: Jose Gabriel Fernandes

em 27 de março de 2019

Em 2013, o diretor chileno Sebastián Lelio conquistou a crítica internacional com Gloria, longa que conta a história de uma mulher de meia-idade que tem prazeres simples, como dançar e aproveitar boas companhias. Quando encontra em Rodolfo um novo amor, tem sua positividade testada pela turbulenta vida pessoal do ex-militar. O longa mostra uma perspectiva despretensiosa e distanciada da existência, sem muito investimento emocional, mas honestidade e leveza de sobra.

Agora, seis anos depois, Lelio resolve lançar uma versão “hollywoodizada” de seu próprio filme, estrelada por Julianne Moore e com elenco de apoio de peso. Nada disso é novo: já vimos e revimos remakes estadunidenses de produções de fora. Alguns são muito bons (como Os Infiltrados), outros nem tanto (como Cidade dos Anjos). Independentemente da qualidade, é natural que questionemos a necessidade da indústria cinematográfica estadunidense de promover releituras de sucessos relativamente recentes do exterior, principalmente quando não possuem propostas diferentes dos originais. Afinal, será que o público não consegue se contentar com um bom filme falado em língua não-inglesa?

Porém, quando o próprio diretor escolhe refazer um de seus trabalhos, independentemente da língua, a gente olha com mais atenção. O que teria levado Sebastián Lelio a fazer essa nova versão de Gloria? Seria uma genuína necessidade de complementar o original? Ou uma tentativa de alcançar novos mercados com uma ideia já utilizada (conseguindo mais reconhecimento e lucro no processo)? No caso de Gloria Bell, as duas respostas poderiam estar corretas. O filme aprimora certos aspectos do original, mas também tem uma evidente ambição mercadológica. Com isso, a produção ganha e perde muita coisa. Para começar, perde no quesito originalidade, pois o roteiro é praticamente idêntico, com algumas mudanças pouco perceptíveis. Ele calibra alguns diálogos para se adequar melhor ao novo cenário e adicionar algumas (poucas) camadas ao texto, mas só isso.

Mais grave, porém, é a perda de parte de sua identidade. O primeiro Gloria é um registro autêntico de um lugar e uma época específica. É um filme chileno, que se passa no Chile e falado em espanhol. Tematicamente, ele não aborda essas particularidades com tanto fervor: é uma obra muito mais existencialista e universal do que qualquer outra coisa. Mas o fato dele ser assim e autorreferente com relação a questões políticas e culturais do país (através de pequenos diálogos, músicas e das próprias ambientações), confere ao longa uma identidade própria, que se diferencia do modelo hegemônico. Quando o diretor opta por refazer o filme em inglês, estrelado por estrelas hollywoodianas e se passando em Los Angeles, toda essa questão identitária é deixada de lado.

Não que ele não possa falar da sociedade estadunidense ou fazer filmes falados em línguas que não a dele – dizer isso beiraria o absurdo. Mas ao querer recontar uma de suas histórias com essas mudanças, sem motivos aparentes para fazê-lo, a impressão que passa é a de que ele tem pouca confiança no potencial do original. Não são identificáveis as razões para ele mudar a nacionalidade da trama – tirando, é claro, questões de cunho mercadológico (ou por talvez por se identificar mais com o modelo hegemônico).

Dito isso, Gloria Bell está longe de ser irrelevante. Se por um lado Lelio abre mão de certas características fundamentais, por outro demonstra muito mais habilidade como diretor. Aqui ele possui um controle maior sobre as diversas especificidades técnicas do longa. A edição, por exemplo, é muito menos intrusiva, dando mais respiro e protagonismo para os quadros. Esse tempo estendido também reforça a constante busca da personagem-título, ao invés de reforçar que ela é um simples objeto de seu próprio destino. O fato da câmera ser menos orgânica e dar muito mais foco para a protagonista também auxilia nesse efeito, além de contribuir para o caráter cíclico da trama (comparando a cena inicial com a final, isso fica mais aparente).

A requintada fotografia de Natasha Braier, com uma iluminação bastante forte, traz um toque trascendental para a história de uma mulher comum. Isso contribui para a proposta nietzschiana de Lelio, que diz respeito à potencialidade da vida, até (e principalmente) em seus momentos mais adversos. A atuação de Julianne Moore também passa essa noção com bastante eficácia, sendo uma versão muito mais frágil da personagem. Os sentimentos dela ganham mais ênfase, colocando em uso a notável expressividade da atriz. Esse papel foi uma excelente plataforma para ela, sendo um de seus melhores trabalhos recentes.

John Turturro também brilha no papel do famigerado interesse romântico, aqui renomeado Arnold. Ele transmite muito bem as angústias de um homem inseguro, que não consegue se desprender de seu passado para ser feliz. Também possui o charme necessário para nos convencer de que Gloria o perdoaria depois de erros grosseiros. Quanto aos outros coadjuvantes, todos funcionam perfeitamente em seus respectivos papéis, mas não têm material suficiente para se destacar (com exceção de duas ou três boas cenas com Brad Garrett e Holland Taylor).

Assim como a versão original, Gloria Bell é uma comédia dramática divertida, reflexiva e envolvente. O roteiro evidentemente perde o seu frescor, mas a execução é menos difusa, aumentando a eficácia de sua mensagem e a visceralidade da experiência. Pena que, ao amplificar sua voz, Lelio acaba ofuscando o original, que em termos de representatividade é muito mais relevante.

Crítica | Gloria Bell
Gloria Bell é um remake pouco original, mas competente. Sebastián Lelio demonstra mais controle sobre o texto e a atuação de Julianne Moore está entre as suas melhores dos últimos anos.
3.5

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