Crítica | Obsessão (2019)

Escrito por: Jose Gabriel Fernandes

em 12 de junho de 2019

Uma bolsa é deixada no trem, como isca para um peixe. A presa da vez é a inocente Frances (Chloë Grace Moretz), e a predadora é Greta (Isabelle Huppert), uma mulher solitária e misteriosa. À medida que as intenções da última vão sendo reveladas, Frances se vê cada vez mais presa numa armadilha. Essa é a premissa de Obsessão, novo filme do cineasta irlandês Neil Jordan.

A grande virtude do filme, e a razão principal para ele funcionar, é o fato do roteiro de Jordan e Ray Wright, em nenhum momento, abrir mão do distanciamento à personagem de Isabelle Huppert. A não-explicação de suas motivações e a imprevisibilidade de suas ações contribuem para um grande estranhamento, que é providenciado, também, pela atuação de Huppert. A atriz se utiliza de toda a sua fisicalidade para trazer brutalidade aos menores gestos. Sua possessividade e frustração por não conseguir alcançar seus fins são muito palpáveis, tornando-a realmente ameaçadora.

A direção de Jordan se aproveita disso com a ênfase em sua presença, principalmente nos momentos em que aparece inesperadamente. A música, apesar de genérica, é muito bem utilizada nesse sentido, sendo intensificada abruptamente quando uma tensão deve ser gerada (um truque antigo e eficiente). Mas isso é mantido, principalmente, pela movimentação desenfreada de Greta em vias públicas. A liberdade com a qual ela se aproxima da protagonista em locais onde o padrão é o não-contato torna Obsessão, de fato, um pesadelo para quem busca abrigo nas instituições e estruturas da modernidade. Nada pode protegê-la da perseguição que sofre.

Outro fator que contribui para a geração de apreensão é o fato de, desde o início, acompanharmos a perspectiva de Frances, a verdadeira protagonista do filme. A atuação de Chloë Grace Moretz busca simplesmente trazer uma jovem fragilizada por perdas pessoais, que está um pouco perdida, mas se mantendo atuante. É muito fácil se solidarizar por ela, até por comparação com sua amiga (interpretada por Maika Monroe), que inicialmente se demonstra um pouco mais egocêntrica e vazia. Claro que, para além da solidariedade, a Frances também tem um interesse pessoal na aproximação com Greta. Há o intuito muito explícito (e, inclusive, literalmente revelado) de preencher uma lacuna com a misteriosa senhora, mas é um desejo muito puro e compreensível. Nos sentimos mal por ela.

De qualquer forma, o roteiro desconstrói nossas pré-concepções de forma impiedosa, quase punindo a personagem principal por não superar suas tragédias pessoais. Através da figura de sua amiga, apresenta o desapego e o companheirismo como formas de libertação. É um filme muito sagaz nesse sentido, alternando entre caminhos óbvios (mas ainda impactantes) e a subversão total de nossas expectativas. Muitas vezes dá a pista errada do que vai acontecer, só para nos surpreender ainda mais na sequência. Às vezes pode parecer uma espécie de malabarismo desnecessário, mas o roteiro é tão enxuto e algumas cenas são tão fortes que não pesa para o espectador.

Quanto à direção de Jordan, ela consegue ser bastante enérgica sem abrir mão da elegância. Quando a trama engata, tudo se torna muito urgente, em contraste com a serenidade dos ambientes em que se passa. A câmera é bastante cirúrgica e objetiva, mas a edição nunca parece apressada, mostrando a qualidade da costura. Enquanto isso, a fotografia constrói uma ambiência predominantemente fria, mesmo em momentos pontuais que exigem uma aproximação maior e se utilizam de cores mais quentes. Um exemplo é uma cena na igreja, em que a iluminação literalmente ilustra a história.

Obsessão é um thriller psicológico de premissa simples e familiar, típica de outros do subgênero (ou do terror psicológico). Mas, dentro disso, é um filme que abraça irrestritamente suas regras, e ainda oferece um subtexto interessante sobre a busca por uma identidade. Sua execução competente e as boas atuações garantem uma experiência estimulante.

Crítica | Obsessão (2019)
Obsessão é um thriller psicológico engenhoso e intenso, com uma atuação memorável de Isabelle Huppert. Nas entrelinhas, faz interessante comentário sobre a emancipação e os efeitos do trauma.
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