Crítica | Parasita

Escrito por: Jose Gabriel Fernandes

em 07 de fevereiro de 2020

A essa altura, você provavelmente já ouviu falar de Parasita. O ganhador da Palma de Ouro e indicado a 6 Oscars tomou o mundo com a sua pertinência, sensibilidade e – principalmente – competência no que quer passar. É uma experiência completa, capaz de te fazer rir, chorar, ter medo e, claro, refletir sobre o momento atual no qual o mundo está inserido. Parasita é um filme sobre cumplicidade, desespero e, acima de tudo, desigualdade social – as loucuras às quais um indivíduo é capaz de se submeter para sobreviver num jogo injusto desde o princípio. O que começa como uma comédia de costumes termina como uma tragédia social das mais comoventes.

O mais admirável é que o diretor e roteirista Bong Joon-ho o faz sem nenhum grau de manipulação barata ou maniqueísmos simplórios. Sua representação sobre o conflito de classes entende os indivíduos como objetos, e não sujeitos, da história. Ninguém age por má fé, mas todos estão tão fechados em suas próprias realidades que acabam impactando o outro de forma inesperada. Até os ricos, que estão no topo da pirâmide e poderiam ser muito mais vilanizados, são apresentados como figuras mais ingênuas e egocêntricas do que maquiavélicas e sádicas. Acabam representando um mal por consequência da posição privilegiada na qual estão inseridos, e provavelmente nem se dão conta disso – o que, para a história, é indiferente.

Os arcos mais significativos, porém, são os dos personagens de Song Kong-ho e Choi Woo-shik. Sem dar grandes spoilers, Kong-ho protagoniza uma cena central, que representa uma virada sobre a percepção do meio à sua volta. Enquanto isso, Wook-shik, que é o mais próximo que se tem de um protagonista, acaba assumindo um fardo muito simbólico e comovente pela fé num sistema que falhou com ele, num final que soaria conformista, se não fosse tão tragicamente irônico. E o melhor é que Joon-ho nem se esforça tanto para transmitir isso, pois confia na inteligência do público.

Porém, Parasita não se sobressai entre as obras cinematográficas do ano simplesmente por sua pertinência. Representa também um marco na carreira do aclamado autor sul-coreano, onde alcança o ápice de sua inconfundível linguagem. Ele consegue integrar todas as suas idiossincrasias a uma trama compacta que, assim como seus protagonistas, está em constante evolução. Quem gostou de O Hospedeiro ou Okja vai reconhecer a sua marca aqui, tanto pela direção de atores quanto pelo humor ácido, mas provavelmente vai se surpreender positivamente pelo grau elevado de sucintez e controle sobre a mise en scène. Não há um plano, corte ou fala excessiva, tudo é perfeitamente calculado a fim de gerar determinado efeito no espectador, seguindo as melhores tendências dos diferentes gêneros dos quais pega emprestado. Sua confiança é tão grande, que ousa nas transições entre os acontecimentos. É realmente inacreditável como esse filme muda drasticamente com tamanha facilidade – mérito também da edição e do design de produção, que mantêm uma consistência estética independente do contexto.

Entre os destaques, não poderia esquecer também do resto do elenco. Park So Dam é a mais carismática, graças à naturalidade e frieza com as quais sua personagem encara seu papel. É de um pragmatismo hilário, e o roteiro dá ótimas deixas para explorar essa característica. Já Cho Yeo Jeong, que interpreta a mãe da família rica, faz algo que, à primeira vista, pode parecer fácil, mas não é. Ela deve manter um arquétipo intacto sem parecer uma mera caricatura – e ela consegue.

Toda a forma como o roteiro explora os contrastes entre os diferentes núcleos, dos espaços físicos aos interesses de cada um, por exemplo, é bem plausível. Também poderíamos usar um texto inteiro só para falar das metáforas visuais, como o fato da casa – e do próprio bairro onde vivem – ser dividido em andares, de acordo com a hierarquia social. E essa divisão não é puramente cosmética, pois tem função direta na trama. É tudo tão bem amarrado que o sentimento que prevalece durante a exibição é espanto mesmo.

Por essas e por outras, Parasita é um dos melhores (se não o melhor) filmes do ano passado, e é muito importante que esteja recebendo esse reconhecimento nos Oscars. Poucas produções em memória recente conseguiram ser tão politicamente sensíveis e acessíveis ao mesmo tempo, além de uma aula de cinema por si só. Esperemos que seu legado seja equivalente à sua ambição.

Crítica | Parasita
Não é à toa que Parasita foi uma unanimidade nesta temporada: não só toca todas as notas certas no que se refere a puro cinema de gênero (e olha que estamos falando de vários gêneros), como também apresenta elegantemente questões pertinentes no mundo todo. Captura o espírito de seu tempo e transforma em cinema de alta qualidade.
4.5

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