Crítica | Vox Lux: O Preço da Fama

Escrito por: Jose Gabriel Fernandes

em 28 de março de 2019

É muito comum assistirmos (principalmente em filmes de ação) a sequências de abertura repletas de violência, que, como dizem popularmente, “já metem o pé na porta”. Em Vox Lux, o diretor Brady Colbert faz isso, mas não da forma da qual estamos acostumados a ver. Com uma sonoplastia extremamente rígida, uma composição visual fria e uma câmera consideravelmente próxima, ele nos apresenta uma demonstração gráfica de violência com armas (dessas que têm preenchido nossos noticiários ultimamente). Com isso, o diretor praticamente força o espectador a fazer parte daquele momento, desnaturalizando um tipo de violência tão banalizado sob lentes mais convencionais.

A questão aqui não é a força da cena, mas, sim, o seu propósito. Nem é preciso dizer que não é um jeito muito convidativo de se começar um filme, além de ser um potencial gatilho para parte do público que passou por situações do tipo. Então, por que começar assim? De início, a impressão que fica é a de que era só para chocar ou tentar ser levado a sério. Depois de outras decisões similares, a impressão que permanece não é muito diferente – mas ao menos podemos entender o que ele busca com isso.

Ele se utiliza da violência para tentar conferir mais urgência ao seu discurso. É como dar um tapa na cara de alguém para tentar chamar a sua atenção. O tapa em questão soa desnecessário e até desrespeitoso (em outro momento mais ultrajante, ele se utiliza da câmera subjetiva para colocar o espectador na posição de um atirador), mas, uma vez que ele é dado, tem algo pertinente a dizer sobre a ferocidade do sistema.

O diretor o faz através da história de Celeste, uma sobrevivente desse massacre do início, que, graças à comoção popular, consegue alavancar uma carreira musical. Ao menos, é isso que uma didática narração de Willem Dafoe dá a entender, ferindo o básico princípio “show don’t tell“. Aliás, o roteiro é repleto de exposições, não só através da narração, mas também de alguns longos diálogos. É evidente que Colbert sabe que está quebrando essa regra, mostrando um certo distanciamento do mundo que está criando. O texto se torna mais literal e a ficção mais artificial, o que revela um interessante cinismo do autor.

Essa característica é perpetuada por todo o longa, inclusive nos momentos em que ninguém diz nada. É com isso que ele constrói um olhar antropológico sobre certas convenções da indústria cultural. Por isso, o ato final, que é basicamente o show da artista, é propositalmente desfalcado – com som abafado, enquadramentos pouco reverentes e coreografia genérica. Ele busca desconstruir um tipo de evento que é idolatrado no mundo todo, tornando-o um tanto primal. Assim, ele traz a criação artística para o campo da sobrevivência: mesmo estando evidentemente abalada, Celeste tem que arrumar forças para se apresentar e continuar sustentando todos que a orbitam.

A atuação de Natalie Portman consegue capturar a dor e o desespero de uma pessoa traumatizada e emocionalmente desgastada, que tenta disfarçar isso tudo com uma atitude rebelde e fala rápida. A versão jovem dela, interpretada por Ruffey Cassidy (que também faz sua filha anos depois), por outro lado, é mantida isenta de muita personalidade. Ela é mais objetiva e pouco afetada, sendo ainda uma diva pop em construção. O resto do elenco, composto por Stacy MartinJude Law e Jennifer Ehle, também funciona bem (principalmente Law, que faz um agente impetuoso), mas, como dito anteriormente, todos orbitam a protagonista, sendo apenas componentes de sua jornada.

Essa escolha tem o propósito de denunciar um suposto egocentrismo exacerbado no mundo do showbiz, o que é reforçado pelos diálogos em que tratam de assuntos sensíveis de forma brutal e mecânica. Não é que Corbet desumanize completamente a protagonista nos momentos que precedem o grande show, só mostra que é uma pessoa que trocou a sua humanidade pela fama, e que, agora, paga por isso com uma angústia profunda. A fotografia de Lol Crawley consegue construir uma atmosfera assustadora ao seu entorno, principalmente pela maneira como filma o exuberante figurino da artista. O design de som, por vezes meio fantasmagórico, também auxilia no efeito. Há uma passagem que mostra os bastidores de um clipe numa câmera diferente e mais rústica, que dá a impressão de que estamos vendo algo que não deveria ser visto. Com essa abordagem, Vox Lux acaba se tornando mais terror psicológico do que drama.

Porém, a demonização da indústria soa um pouco exagerada em alguns pontos. Um exemplo é a tentativa de criar uma ligação entre Celeste e o assassino do início do longa, através da maquiagem carregada, seu envolvimento com um homem que “faz o mesmo tipo de música que ele escutava” e – mais grave do que isso – um constante barulho de arma recarregando durante o seu show. É uma visão um tanto radical, fruto de uma genuína revolta. O problema é que seu insistente uso da violência torna a mensagem deselegante e pouco efetiva. O discurso acaba saindo inconsistente, apesar de ser compreensível num nível alegórico. Vale acrescentar que a violência é um conceito complexo demais para tentar ser explicado com tamanho reducionismo.

Há momentos em que ele canaliza melhor o sentimento de pavor diante das estruturas do sistema, como os em que ele filma a cidade grande com toda a sua magnitude, acompanhada da estrondosa música de Scott Walker e a enérgica edição de Matthew Hannam. É uma sequência bastante poética e potente, que atesta o talento do diretor para criar cenas memoráveis. Aliás, sempre que ele não apela para a violência armada na construção de seus argumentos, o filme funciona bem. Até as músicas pop compostas pela incrível Sia, que teoricamente deveriam ser genéricas e pouco engajantes, acabam tendo o seu valor (principalmente a faixa Wrapped Up”).

Balanceando todos os elementos, podemos dizer que Vox Lux é bastante engenhoso e tem algo a dizer sobre o momento em que vivemos. Porém, com a sutileza de um elefante e uma lógica meio limitada, ele acaba sendo desrespeitoso, trocando a argumentação inteligente pelo choque. O uso da violência soa mais sensacionalista do que transgressor, mostrando uma falta de comedimento que costuma ser importante na arte da comunicação. Só que, mais do que comunicar algo, Colbert parece estar preocupado em expressar sua revolta e provocar o público. Por mais que isso possa ser ofensivo pelo jeito como o faz, devemos reconhecer que filmes assim são importantes para manter o cinema pulsante, livre e pleno.

Crítica | Vox Lux: O Preço da Fama
Vox Lux busca ser incendiário com seu uso instrumental da violência, mas só acaba dificultando a aderência de sua crítica (além de ser um tanto indelicado). Tirando isso, o diretor demonstra visão e competência suficientes para construir momentos interessantes, além de conduzir uma atuação estelar de Natalie Portman.
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